Aplicando a Aprendizagem Baseada em Projetos - ABP no Ensino Superior
Allysson Costa
Mestre em Biociências. Coordenador de Extensão do Centro Universitário UniAmérica Descomplica
“O professor que desperta entusiasmo em seus alunos conseguiu algo que nenhuma soma de métodos sistematizados, por mais corretos que sejam, pode obter”
(John Dewey, 1859-1952).
O paradigma educacional do Ensino Superior para o século XXI se alicerça nos papéis que são definidos aos envolvidos no processo de aprendizagem e na gestão das estruturas curriculares. Em uma visão tradicional, o docente, centro do processo, seria o responsável por transmitir conhecimentos para os estudantes. Esse perfil é justificável em um contexto de acesso limitado à livros, artigos e outras produções de caráter acadêmico.
Entretanto, quando este perfil é replicado para um contexto atual, no qual não há barreiras para o acesso ao conhecimento, percebemos que não há mais espaço para um papel docente que é exclusivamente baseado na reprodução dos conteúdos. Impactado de igual forma pela abundância de conhecimento, o estudante passa a não ver sentido na participação passiva, em condição de ouvinte, dos momentos que deverão fornecer subsídios suficientes para a sua formação.
Neste novo contexto, ao docente é atribuído o papel de mediador do desenvolvimento de um outro protagonista, o estudante. O processo de mediação amplia a atuação do docente para além da reprodução dos conteúdos, conferindo a este a atribuição de despertar no estudante a vontade de aprender, efetivada através de atividades de curadoria, orientação e preceptoria, contribuindo para uma aprendizagem significativa (TÉBAR, 2011).
Cientes da necessidade de mudança, docentes que pretendem atuar enquanto mediadores do processo de aprendizagem encontram resistências naturais na própria estrutura curricular. Matrizes curriculares estritamente disciplinares fragmentam as competências profissionais em pequenas porções, as quais sozinhas são incapazes de refletir uma necessidade profissional, o que impede a atribuição de valor do estudante para aquele conteúdo, e consequentemente não gera uma aprendizagem significativa. A estrutura disciplinar transfere para o estudante a responsabilidade de congregar conteúdos básicos e específicos para a execução de uma determinada tarefa profissional, incapazes de atender a esta expectativa, egressos despreparados têm aumentado a extensão do vale que separa o que é ofertado na academia das reais necessidades do mercado de trabalho.
Em contraponto ao paradigma suscitado, apresenta-se a Aprendizagem Baseada em Projetos – ABP (BENDER, 2015), que conceitua-se enquanto uma atividade de caráter educativo que tem como premissa a utilização de projetos autênticos, realistas, que se originam a partir de uma questão, tarefa ou problema que é significativo para a formação do estudante, permitindo que através do seu desenvolvimento seja possível a apreensão de conteúdos e o trabalho colaborativo. Assim, como na vida real, na ABP o conteúdo não é um fim em si mesmo, ele é base, é ferramenta, para uma finalidade maior, pois a sua aprendizagem é consequência da realização do projeto. ABP investigativa, autêntica e por descoberta, apesar das diferentes terminologias, a abordagem de todas fundamenta-se na identificação e resolução de problemas da realidade. Enquanto metodologia inovadora, faz-se necessário delimitar os elementos que compõem uma proposição de ABP:
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âncora;
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artefatos;
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desempenho autêntico;
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brainstorming;
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questão motriz;
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aprendizagem expedicionária;
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voz e escolha do aluno;
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web 2.0.
A âncora compreende a fundamentação necessária para a elaboração de uma pergunta, uma base teórica conceitual que pode ser fornecida através dos mais diversos materiais. Os artefatos são entregas parciais ou totais dos projetos desenvolvidos, os quais não resultam, necessariamente, em relatos escritos, podendo ser vídeos, portfólios, esquemas, maquetes, entre outros. O desempenho autêntico tem como objetivo enfatizar a necessidade do projeto ser desenvolvido a partir de cenários do mundo real, é preciso que ele reflita o que se espera dos egressos no mercado de trabalho. O brainstorming é a ação que permitirá a produção do maior número possível de soluções para os problemas ou tarefas elencadas a partir destes.
A questão motriz é a pergunta principal, ela que fornece a meta declarada que o projeto deve atender, e por esse motivo deve ser factível, significativa e extremamente motivadora para os estudantes. A aprendizagem expedicionária envolve as ações de investigação nas localidades da comunidade que estão relacionadas ao desenvolvimento do projeto. A voz e escolha do aluno representa que os estudantes devem ter certo nível de decisão sobre a seleção e execução dos projetos. E por fim, a web 2.0 compreende a utilização de novas aplicações tecnológicas enquanto recurso para a resolução de problemas.
A compreensão dos elementos da ABP já não se configura enquanto uma inovação, as discussões em torno da sua concepção ganharam campo frente ao contexto atual, é necessário superar a compreensão e ingressar na efetivação de tais propostas no processo de aprendizagem do Ensino Superior. Mas, como as Instituições de Ensino Superior podem implementar a ABP em seu currículo e na prática docente? Como resposta a essa questão eu apresentarei um case do Centro Universitário UniAmérica Descomplica.
A instituição é concebida sob a ótica do protagonismo estudantil, utilizando como recurso de aprendizagem, entre outras metodologias ativas, a ABP, refletida também nas matrizes e componentes curriculares dos cursos. Poderia abordar aqui vários elementos que demonstrariam a aplicação da ABP na UniAmérica, entretanto, optei por apresentar o case do Projeto Integrador de Extensão.
Os projetos integradores surgem, em sua maioria, nas Instituições de Ensino Superior enquanto projetos interdisciplinares que atendem as exigências do processo de Curricularização da Extensão, previsto na Resolução CNE/CES nº 7, de 18 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018). No Centro Universitário, o Projeto Integrador de Extensão não foi concebido para este fim, mas ao descrevê-lo ficará claro como atende a essa necessidade.
A premissa básica do Projeto Integrador de Extensão é a mesma da ABP: Identificar e propor soluções para problemas/demandas reais da comunidade que estão relacionados à formação do estudante. Do ponto de vista matricial, é desenvolvido enquanto componente curricular próprio, presente em todos os cursos de graduação, na maioria ou totalidade dos semestres letivos. Apresentarei as características operacionais do Projeto Integrador de Extensão a partir dos seguintes elementos: Captação de demandas, mediação docente, mentoria profissional e divulgação dos resultados.
O processo de captação ocorre através de diversos canais, os quais convergem para um banco de demandas institucional: a Coordenação de Extensão publica semestralmente um edital de captação; os setores Comercial e de Relacionamento captam demandas em visitas institucionais; e os coordenadores, docentes e estudantes também apresentam demandas que estão alinhadas à formação do curso. Independente do canal, a demanda deve estar atrelada a um agente externo, um demandante, figura que gera vínculo entre a UniAmérica e a comunidade. A captação de demandas está relacionada diretamente aos elementos de desempenho autêntico, voz e escolha e questão motriz da ABP. A mediação docente compreende a orientação e preceptoria dos grupos de estudantes, compostos por 3 a 4 integrantes, os quais desenvolverão as soluções para as demandas captadas através de elementos da ABP.
Durante a mediação o docente, em conjunto com cada grupo, abordará um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes enquanto âncora da elaboração da questão motriz, lapidará a questão motriz de acordo com a realidade, desenvolverá atividades de brainstorming, organizará as atividades de aprendizagem expedicionária, delimitará os artefatos que serão entregues enquanto solução e utilizará dos recursos de tecnologia disponíveis para a construção do projeto.
Adicionalmente ao processo de mediação docente, cada grupo de estudantes convida um profissional da comunidade, que tenha relação com a necessidade da demanda, para contribuir, de forma voluntária, na elaboração da solução, o que permite a ampliação do networking de estudantes e docentes com as atividades profissionais do curso. A divulgação dos resultados é realizada através de evento institucional próprio, Festival de Inovação Universitária, desenvolvido em etapa virtual e etapa presencial, objetivando a disseminação das produções dos grupos e da própria compreensão do Projeto Integrador de Extensão para a comunidade.
Durante o semestre de 2021-1 um grupo de estudantes do Curso de Educação Física da UniAmérica desenvolveu um Projeto Integrador de Extensão para uma Associação de Tênis de Mesa. A demanda foi escolhida pelo grupo a partir do banco de demandas, formado pelo edital de captação, o que garante a voz e escolha do estudante. Na demanda a Associação solicitava um “apoio técnico nos treinamentos e em competições”, uma atividade que está estreitamente relacionada à atuação do profissional de Educação Física, permitindo que o projeto seja desenvolvido com a característica do desempenho autêntico.
A partir da demanda, o grupo de estudantes definiu como âncora para o seu projeto os artigos que discorriam sobre a preparação física para atletas de Tênis de Mesa. Com maior propriedade sobre o tema, os estudantes se reuniram com o demandante, profissional de Educação Física, e definiram a questão motriz: Como promover um apoio à Associação de Tênis de Mesa que proporcione uma preparação física, técnica e tática? As atividades de brainstorming desenvolvidas a partir da questão motriz, originaram a solução que seria desenvolvida pelo grupo: Estruturação de uma periodização de treinamento. Essa estruturação da periodização de treinamento foi dividida em artefatos:
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Relatório das atividades expedicionárias realizadas na Associação;
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Análise do calendário de competições;
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Definição dos macrociclos;
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Definição dos mesociclos;
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Definição dos microciclos;
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Definição das variáveis de treinamento;
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Definição das capacidades físicas.
Quando finalizados, todos estes artefatos menores compuseram a periodização de treinamento que foi entregue à Associação de Tênis de Mesa. Após finalizado, o projeto foi apresentado na etapa virtual do Festival de Inovação Universitária 2021-1 da UniAmérica Descomplica.
De fato, esse texto não permite que sejam inseridas todas as particularidades do Projeto Integrador de Extensão, entretanto, demonstra de maneira factível que, apesar do paradigma do Ensino Superior para o século XXI ser um desafio para docentes e Instituições de Ensino Superior, é possível implementar atividades de aprendizagem que contribuem para esse rompimento.
Referências
BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2015.
BRASIL. Resolução CNE/CES n. 7, de 18 de dezembro de 2018. Ministério da Educação. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira. 2018.
TÉBAR, L. O perfil do professor mediador: pedagogia da mediação. Trad. Priscila Pereira Mota. São Paulo: Editora SENAC, São Paulo, 2011.