Docência para Cenários Inovadores da Educação Superior
Blasius Debald
Pró-reitor de Gestão da Aprendizagem na UniAmérica
O cenário da educação superior está em processo de transformação, motivado pelo crescimento da virtualização dos cursos presenciais, pela admissão da possibilidade de organização curricular híbrida, pelo avanço tecnológico e a introdução de estratégias de aprendizagem ativa. As mudanças impactaram, de forma profunda, a atuação docente, que passou de um profissional que ensinava os conteúdos para um que prioriza o desenvolvimento de competências e a aplicação dos conhecimentos em vivências da prática profissional. A redefinição deste papel, colocou no centro da aprendizagem o estudante, agora mais ativo, participativo, autônomo e protagonista do seu processo educativo.Contudo, adverte-se que para transformar os processos educativos institucionais há a necessidade de investimentos na formação docente, mediante acesso, acompanhamento e feedback, pois é o que atua, diretamente, com o estudante e, portanto, requer alinhamento e apropriação da nova forma de execução do currículo.
Na obra Metodologias ativas no ensino superior: o protagonismo do aluno (2020), organização de minha autoria, abordamos situações de como podemos implementar mudanças na educação superior e como isso afeta o trabalho do educador. Tal cenário impactou a atuação docente, não no sentido de que não é mais apropriado ensinar os conteúdos como se fazia nas últimas décadas, mas, sobretudo, porque o mundo mudou, os jovens são outros e a profissão incorporou elementos que requerem atenção dos formadores. Talvez a palavra mais adequada seria revisitar a profissão, tentando entender o atual contexto, para compreender os movimentos que o apresentam como mediador, facilitador, organizador e gestor de aprendizagens.
No Centro Universitário UniAmérica Descomplica, os processos de mudança foram introduzidos para melhorar a aprendizagem dos estudantes e romper com o modelo educacional centrado na memorização e reprodução de conhecimentos.
Inicialmente, investiu-se na formação docente, preparando a equipe para que fosse capaz de realizar as mudanças requeridas na condução dos processos de aprendizagem. Uma vez apropriado do novo fazer, os professores começaram a aplicar em sala de aula, mas ainda com certa dificuldade, pois a prática de décadas não se deixa de lado, facilmente, embora haja desejo.
Aspectos que foram significativos na mudança de suas rotinas dizem respeito ao planejamento coletivo, o qual requereu deles pensar em ações e estratégias em equipe. Outro elemento foi o planejamento de atividades de aprendizagem nas quais os estudantes fossem os protagonistas, gerando autonomia e engajamento. Campos e Blikstein (2019) na obra Inovações radicais na educação brasileira, provocam o leitor a pensar em possibilidades inovadoras de educação superior, transformando os currículos, alicerçando-os no desenvolvimento de competências.
A mudança curricular implementada em 2018, mediante a adoção da matriz baseada em projetos, com o desenvolvimento de competências foi a maior inovação da instituição. Mexeu no formato de planejamento docente, pois a lógica partir da definição da competência, depois as estratégias necessárias, os recursos e por fim a seleção dos conteúdos. Assim, aproximamos o estudante do exercício profissional, pois estudava conhecimentos que tinham significado e aplicação em situação da profissão.
Para uma melhor compreensão, vamos dar um exemplo de planejamento, partindo das competências. O curso é Nutrição, a competência: Elaborar cardápios ou planos alimentares de acordo com as necessidades e recomendações nutricionais, a atividade proposta é criar um cardápio com ingredientes de sua preferência, escolhendo um ramo de serviço, adequado a legislação. O processo de aprendizagem se constituiu do
saber riar-se do conhecimento necessário para compreender os fundamentos da temática em estudo;
saber fazer = é a demonstração, explicação da capacidade de que tem a habilidade para fazer;
fazer = colocar a mão na massa, atitude necessária para a aprendizagem efetiva e significativa;
ser = vivenciar e reforçar os valores humanos universais para uma sociedade mais justa.
Para que o profissional da educação consiga colocar em prática o planejamento e a aprendizagem baseada em competências, foram necessários investimentos em formação continuada. Darling-Hammond e Bransford (2019), na obra Preparando os professores para um mundo em transformação: o que devem aprender e estar aptos a fazer, indicam estratégias que podem ser utilizadas por eles para o alcance das finalidades das propostas pedagógicas.
De fato, além de preparar os professores, outra questão é a adaptação do estudante para uma aprendizagem mais ativa, uma vez que vem de um modelo passivo e torná-lo protagonista não acontece sem um processo de preparação e engajamento. Assim, educadores e estudantes requerem adaptação para a nova forma de aprender, no qual a centralidade do processo educativo passa do primeiro para o segundo.
Uma proposta educacional na qual o estudante é desafiado a pensar como profissional, desde o início de sua formação, resolvendo situações reais, mudou a forma de encarar os estudos. Para Zabala e Arnau (2010) definem que competência “deve identificar o que qualquer pessoa necessita para responder os problemas aos quais será exposta ao longo da vida” e que sua constituição tem por base o CHA (Conhecimento, Habilidades e Atitudes).
Não podemos ficar omissos em relação às mudanças da educação superior e que afetarão diretamente os educadores. Contudo, se o cenário sinaliza que haverá uma redução dos quadros docentes nas instituições, por outro lado, entendo que haverá um campo de possibilidades para os profissionais que quiserem investir em produtos educacionais. Será uma nova forma de empregabilidade e não pode ser descartada, particularmente pelos que atuam em instituições privadas.
É preciso se preparar para os novos tempos em que a empregabilidade na educação, da forma como a compreendemos, organizado em aulas, numa sala e de forma disciplinar não terá vida longa na estrutura educacional. Lógico que a transformação não será por decreto e muito menos unânime, mas se existe o desejo de seguir nessa área nas próximas décadas, então é necessário ficar atento às características docentes, além de se apropriar dos recursos tecnológicos e estratégias de aprendizagem ativa. A docência para estimular o protagonismo estudantil é desafiadora e requer estudo, dedicação e planejamento. O processo está associado a uma mudança de olhar o processo denominado, pela literatura, de ensino e aprendizagem, para um em que a promoção da aprendizagem, de forma ativa, encontre eco e vez.
Foi-se o tempo em que se fazia um curso superior para ser professor e trabalhávamos a vida inteira na mesma profissão, fazendo, praticamente, as mesmas coisas ao longo de anos. Essa profissão não existe mais, embora algumas instituições ainda se apeguem a tal estrutura, o cenário de transformação faz com que revejam a situação, repensando seu posicionamento, impactado pelo decréscimo de matrículas e pela concorrência de mercado. A docência, por muitas décadas, foi uma utopia maravilhosa, pois os cursos de formação inicial e continuada trabalhavam elementos da prática pedagógica, retratando-a de forma idealizada.
Quem não se lembra das aulas de Didática ou de Práticas de Ensino, quando aprendíamos técnicas e estratégias que eram, posteriormente, replicadas em sala quando iniciávamos a carreira. Para o período, replicar técnicas de aprendizagem ou práticas era ser de uma linha inovadora, contudo, ainda não eram atividades que faziam o estudante pensar, refletir, e sim, reproduzir a técnica ou a prática. E o docente, por sua vez, trazia as atividades para "quebrar" suas aulas expositivas.
O cenário da educação superior sinaliza com currículos disruptivos, aumento da virtualidade em cursos presenciais, aprendizagem ativa e desafiadora, profissionais mediadores e orientadores. É preciso se preparar para ter condições de atuar em tal contexto e, para tanto, a formação continuada é o melhor investimento. Procurar cursos de formação educacional que abordem tais temáticas é uma possibilidade de aproximar-se da nova realidade profissional que está em construção.
Cabe ao educador, compreender o contexto e se preparar para os novos tempos, ou então, sua empregabilidade estará em risco, pois práticas que se distanciam de promover aprendizagens ativas e ensinar o outro a aprender são a tonalidade do momento. E alinhar-se com tais propósitos não é renunciar à formação de um estudante crítico, participativo e reflexivo, mas, ir além do campo das ideias, fazendo com que coloque em prática o que aprendeu para avaliar se de fato ocorreu aprendizagem.