Sala de Aula Inovadora e Aprendizagem Ativa
Daniela Paiva
Coordenadora de pós-graduação da UniAmérica
“Para poder acompanhar o mundo de 2050 você vai precisar não só inventar novas ideias e produtos — acima de tudo, vai precisar reinventar a você mesmo várias e várias vezes”
(YUVAL NOAH HARARI, 2018)
Há quase um século se discute os impactos do avanço tecnológico na sociedade, e a “sociedade do futuro”, altamente tecnológica, frequentemente era pauta de discussão em debates acalorados que tentavam prever como seria essa realidade.
Agora, já na terceira década do século XXI, já é possível afirmar que vivemos essa realidade, ainda incipiente, mas cujo alguns dilemas já são passíveis de identificação. Então, muito mais que uma lista de “problemas” a serem enfrentados aos quais a sociedade trabalhará pontualmente para resolvê-los, esses dilemas parecem ter relação com a imprevisibilidade, considerando a aceleração das transformações sociais que estamos assistindo, sobretudo, nas últimas duas décadas.
No campo educacional, essa discussão não foi menos importante. Havia projeções desde a substituição de livros e cadernos, por versões digitais, até automação completa do processo educacional com professores/máquinas. Algumas projeções se concretizaram, como a digitalização dos livros e cadernos, mas isso muito mais que versões iguais em outros formatos as Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDCI) transformaram completamente a relação da sociedade com o conhecimento.
O que assistimos é uma nova forma de adquirir conhecimentos, muito mais dinâmica, com acesso quase ilimitado a informações em qualquer momento e espaço, alterando assim, o conceito de “espaços de aprendizagem”, que antes, eram fechados em salas de aula de instituições de ensino. Assim, a educação tradicional que se fundamentava na transmissão de conhecimentos e informações já não consegue encontrar seu espaço em uma sociedade na qual o conhecimento está ao alcance dos dedos e torna-se obsoleto na mesma velocidade em quem é produzido.
Então, as questões para a educação tornaram-se justamente “para que formar?” e “como formar?” já que a imprevisibilidade se tornou a grande certeza e o conhecimento (teorias) e as habilidades (técnicas) são datadas. Yuri Harari, no livro, 21 lições para o século XXI (2018), alerta que as instituições de educação deveriam passar a desenvolver em seus estudantes os “Quatros Cs”:
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Pensamento crítico;
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Comunicação;
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Colaboração;
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Criatividade.
Deste modo, além de prepará-los para serem capazes de lidar com um mundo em constante mudança, exigindo flexibilidade mental e equilíbrio emocional.
Assim, para responder a essas duas questões precisamos pensar em uma sala de aula inovadora, cujo foco não está mais na transmissão de conhecimentos e no desenvolvimento de habilidades pontuais, muito menos em um “novo espaço” repleto de que ferramentas tecnológicas – pois até mesmo a existência de espaços físicos estão “em check”- a sala de aula inovadora requer primeiramente a mudança completa do foco do ensino (transmissão) para o foco na aprendizagem e no desenvolvimento de competências e, principalmente, criar situações em que o estudante experiencie os problemas reais, desenvolvendo um repertório de competências pessoais e profissionais, sobretudo, que oportuniza o estudante se reinventar diante do novo, superando os desafios que são postos. Para isso duas coisas tornam-se centrais a transformação curricular e metodológica.
Transformação Curricular
Para uma aprendizagem ativa, requer-se ampla participação do estudante no processo de aprendizagem. Assim, currículos que apenas organizam conteúdos de forma prescritiva, indicando uma lista de conhecimentos a serem “decorados” e “reproduzidos” não permitem uma aprendizagem ativa e significativa. Neste sentido, por mais que os professores lancem mão de estratégias de aprendizagem com maior envolvimento do estudante, se não houver uma mudança significativa dos objetivos educacionais, ao final, só ensinamos de maneiras diferentes e talvez mais divertidas de decorar e reproduzir conhecimento.
Por isso, currículos baseados em competências são mais adequados para promoção da aprendizagem ativa. Para ficar mais claro, vamos dar um exemplo: Um estudante do curso de Administração estuda disciplinas como: Marketing Digital, Gestão de Marketing nas quais aprende sobre os Fundamentos do Marketing, as teorias que os baseiam e norteiam, e como usar esses conhecimentos através de exemplos, geralmente abstratos.
Em uma organização curricular por competências, ao invés, de uma lista de fundamentos sobre gestão de marketing, o estudante poderia desenvolver um projeto de elaboração de pesquisa de mercado para uma empresa, ou produto específico. Essa pesquisa de mercado poderia ser através de uma demanda real de uma empresa ou produto da cidade. Neste sentido, há uma integração entre situações profissionais reais e os objetivos educacionais, que aqui, indicam o desenvolvimento de uma competência, ou seja, um saber fazer.
Assim, no processo de elaboração da pesquisa o estudante precisaria estudar os fundamentos de Marketing (conhecimento), para isso é essencial que tenha acesso a uma curadoria de materiais e domine técnicas de pesquisa bibliográfica, a fim de suprir o conhecimento necessário no desenvolvimento do projeto. Mas os fundamentos, já não aparecem mais fragmentados no processo, e sim, aplicados à realidade e poderão ser acessados para além da sala de aula física, criando uma autonomia do conhecer.
Além disso, terá que desenvolver habilidades, tais como capacidade de analisar o mercado, mapear perfil do consumidor e ter uma atitude ativa e proativa diante do desafio, requerendo reflexão e tomada de decisão. Nesse sentido, a sala de aula será o espaço de desenvolvimento da competência no estudante, com situações que o permitam experienciar já na formação os desafios profissionais.
Transformação metodológica e das estratégias de aprendizagem
Uma sala de aula inovadora, também requer uma metodologia que permita que os espaços educacionais criem experiências significativas de aprendizagem. Para isso, as metodologias precisam integrar os espaços de atuação profissional e com problemas comuns na vida cotidiana, oportunizando assim, atribuir significado ao conhecimento e principalmente, o aprender a aprender.
No exemplo elaborado acima, sobre a pesquisa de mercado, poderia ser desenvolvido através do estudo de caso em uma disciplina de Gestão de Marketing, mas para os estudantes, se trabalhado pontualmente em algumas aulas, não seria o foco da aprendizagem, e sim, mais uma estratégia para ensinar conteúdos, ou seja, a finalidade seria do conhecimento.
Para uma Educação Superior que prioriza o protagonismo estudantil e o desenvolvimento de competências requer contato com produtos e empresas reais, já que estando submetido a imprevisibilidade e os problemas inerentes a qualquer profissão, vivenciarão experiências que são impossíveis de simular na sala de aula. Assim, a sala de aula inovadora requer uma integração com o mundo real, para isso é essencial lançar mão de metodologias baseadas em projetos e/ou desafios. Assim, a cada tomada de decisão diante da problemática que o estudante faz, é também uma escolha ativa em que ele constrói sua própria trilha de aprendizagem.
Por fim, considerando o exposto, a arquitetura da sala de aula inovadora, se é física ou digital, com muita ou pouca tecnologia, que caiba grandes ou pequenos grupos não é o que mais importante, mas sim, sua capacidade de gerir e integrar o contemporâneo no processo de aprendizagem, permitindo assim, o estudante ter um repertório de experiências que o preparem para atuar na resolução de problemas frente aos desafios contemporâneos.
Referências:
BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2015.
BORDENAVE, Juan Diaz; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino aprendizagem. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
DEBALD, Blasius. Metodologias Ativas no Ensino Superior: o protagonismo do aluno. Porto Alegre: Penso, 2020.
HARARI, Yuval. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.